Eis que surge o meu blogue "pseudo-intelectual" para partilha de textos da minha autoria.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

Mente Buliçosa

Buliçosa a mente que teima nisto do pensar. Pensar porque sim no que não. Pensar "porque não"? Diz que sim. Pensa que não pensa nisso do não pensar, da apatia do estar e ser, sem pôr o mais que não deve, mas pensa e inveja e sente falta. Tomara ela não pensar. Pensa que pensa que pode e que deve, a verdade é que não deve. Está nisto do pôr sempre mais e ser sempre mais. Despeja demais, verdade seja dita. Não há quem estanque pensamentos antes de lhe saírem pela boca. Pensa porque pensa demais, porque é tudo tão demais? Não tem meio termo, pensa porque deve, diz o que não deve. Pensa e repensa, nunca pára, incansável, sempre a rodar. Pensa mudar, porém mudar dá que pensar. Tem menos dela do que pensa, é tudo dos outros, ela só recolheu o que lhe deixaram. Pensa nisto. Pensa que devia deixar-se disto, devia agir. "Cala-te mente buliçosa, está na hora do não pensar", pensa ela outra vez. Quando se deita lá fica ela a pensar no que podia e não podia vir a acontecer, no dia em que o pensar passa a fazer . Finalmente adormeceu e pensou que o bulício da mente se iria silenciar, intensifica-se o frenesim. Apaga-se-lhe a razão, acende-se-lhe o espírito. Vibra em tons indistintos, labaredas de ideias e pensa pensamentos que nem conteúdo têm. Indistintas formas com conceitos claros, que lhe toldam o pensar. De manhã, quando acordar pensará sobre isto, antes de se voltar a lembrar que se queria esquecer de como pensar.



A Rua Mais Deserta da Cidade

Uma rua deserta, um anoitecer chuvoso, um vulto sob a luz alaranjada do candeeiro.Não há memória de um vulto tão só e tão triste por aquelas bandas, aliás, já não há memória de qualquer vulto por ali. Quem tarda em deixar aquela viela sombria? Há muito que todos partiram, nada os prendia ali, nada os fazia ficar. Ora, nem todos, parece. Um vulto teima em ficar, em ganhar raízes por entre as pedras daquela calçada, na luz cansada do candeeiro. Ninguém, nas suas pressas do dia-a-dia, se lembrara de arrastar aquele vulto e de o levar para outras paragens. Numa aparente apatia inconsciente, o vulto parecia ter deixado que todos passassem por ele sem agarrar a mão de alguém, sem que alguém lhe desse o braço. Agora a noite cai na rua deserta, a chuva molha o casaco preto e o emaranhado de cabelos castanhos daquele vulto que não dera pelo passar do dia ou dos tempos. E numa madrugada que não se deve atravessar sozinho, por lá se demora esperançoso o vulto, encantado pela rua outrora luminosa, outrora sobrepovoada. É isso, a chuva molha-me o casaco, a chuva molha-me os cabelos. Já só eu é que me demoro nestas ruas do amor.



Leva o Vento Contigo

Se partires, leva o vento contigo. Leva esse vento que me esfria e essa chuva que me molha, não os quero para mim. Já fomos tanto em tão pouco, que já nem sei como ser agora que te vais. Hoje a chuva é a percursionista. O seu toc toc em janelas e telhados dá ritmo a uma canção que se quer de embalar. A mente foge, deixa-se levar. Escapa-me a consciência por entre os dedos mas volta na agitação do que os sonhos trazem. Já não quero isto, de voltares para mim todas as noites e não estares cá quando acordo. Admito-te tudo menos que te evapores ainda antes de te ter alcançado. És quimera quando te quero concreto. Serás sempre o calor no peito e o frio na cama, apenas porque te demoras demais.
Quando te ausentares, deixa-me apenas com o teu calor, aquele que a tua pele emana quando me encosto ao teu peito despido, aquele que quase me queima. Não me chega o cheiro que deixas no meu pijama e no meu quarto, sou demasiado ávida de ti... Hoje queria que ficasses, que não fossemos um amor de fim-de-semana. Mas tu não ficas, deixas-me aqui agarrada a promessas. Eu alimento-me delas, na esperança que me aguentem até à tua próxima visita. Só que eu não vivo de juras... É que para mim somos vontades, somos amantes. Somos Paris, somos Nova York, somos Hong Kong. Somos a Europa ou somos a Terra inteira. Somos a Via Láctea, se for preciso. Para mim somos aquilo que quisermos! Para ti, nem sei... Às vezes chega-me saber que te sou, seja eu o que quer que seja. Às vezes... Hoje não é uma dessas vezes. Hoje queria mais mas tu já te vais.



Ciclo de Vícios

Somos mortais que vivem como se fosse para sempre, alimentados de clichés e de memórias. Escrevemos poesia com frases feitas e gabamo-nos das nossas fraquezas. Ociosos e perfeccionistas nas artes das aparências. Achamo-nos merecedores da Terra inteira sem ter feito por valer a cama onde nos deitamos. E não, não queremos chegar ao dia em que damos por nós a ler a Nova Gente e a chorar desalmadamente enquanto vemos a novela das onze.Não suportamos a ideia de ter de passar o resto da vida em roupas cinzentonas, enfiados num escritório de manhã à noite, mas também não nos esforçamos por mais... Somos fracos, ponto. Deixamos andar (como quem deixa morrer), só para não ter de agir, para não termos de dar a palavra final. Já não acordamos para um novo dia mas para a continuação do anterior. É um ciclo, não vicioso, mas de vícios. Fomos feito para tão mais... O mundo, essa coisa grande demais para que saibamos ao certo o que é, ainda espera tanto de nós.



O Mondego e Nós

O Mondego ainda corre lento no seu leito. Lento como nós, meu amor, sempre demorados em decisões. Ele ainda lá está, como sempre esteve, aliás. Muito antes dos deuses sonharem trazer-te até mim, já ele esperava que o visitássemos. Segue tranquilo, sem inquietações de maior, porque já conhece a inevitabilidade de se reunir com o mar. Devíamos aprender com ele, tranquilizar esta nossa paixão. O nosso leito estará delineado também, e se realmente formos afluentes um do outro, num dia destes haveremos de convergir e espraiar-nos ao luar.