Eis que surge o meu blogue "pseudo-intelectual" para partilha de textos da minha autoria.



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A menina que está à janela

O cheiro da cigarrilha, fumada à janela, invade a sala. Entre bafos solta suspiros indolentes, na preguiça de quem adia o inadiável. Tudo é melhor ao sol de inverno. As notas suaves e melodiosas que se escapam lá para fora, são o toque final de melancolia. Oh, o dolce far niente. Assim, sentada no parapeito da janela, com a saia a deixar antever mais do que devia, com os cabelos brilhantes, caídos sobre o peito tão bem delineado pela camisola justa, apaixona os pobres rapazes que passam na rua lá em baixo e exasperam por saber o nome da misteriosa rapariga. "Quem é ela?" "O que faz da vida?" "Qual o seu filme favorito?" "Prefere a comida com mais ou menos sal?" "Pois, com mais sal com certeza, que ela parece gostar dos pequenos prazeres da vida!" Milhões de perguntas que anseiam colocar-lhe. Mal sabem eles que também ela procura as mesmas respostas. Alheada do mundo e dos corações partidos, atira a pirisca e fica a vê-la cair no pavimento do passeio.  Espreguiça-se para deleite dos transeuntes. As longas pernas esticadas, os braços erguidos numa doce e lenta dança. Inocente, ignora o poder magnético do sorriso que se lhe escapa, no aconchego daquela tarde de Janeiro.


Ergue-se e principia a rodar pela sala, com a saia a ondular, deixa-se levar pela música. Há algo de mágico naquele rodopiar, há algo que enfeitiça no seu jeito de rir. Àquela hora, vidas terminam, vidas começam, mas ela está ali esquecida do tempo, esquecida do mundo.

Pára de rodopiar, olha bem fundo no meu olhar, como quem me lê os pensamentos, e sorri. Há medida que os cantos dos seus lábios sobem a minha alma cai a seus pés, escravo daquele sorriso, cativo do seu jeito de ser. Aproxima-se e coloca os seus braços sobre os meus ombros, aproxima o rosto do meu ouvido e rindo, como quem tem graça e o sabe, murmura: "Até parece que estás apaixonado!". Rio-me com ela.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Efigie

Em tons quentes te pinto, ao de leve, devagar, nessa tela hipotética que a minha mente esconde. De castanho o cabelo, de rosa os lábios bem delineados. Traço por traço, vou desbravando as tuas linhas, como quem te descobre agora neste quarto, como quem nunca te viu e te olha agora pela primeira vez. Um a um, decoro os teus sinais, voltando a eles inúmeras vezes, para que não me esqueça de nenhum. Percorro-te sem pressas, inventado os teus contornos no passar do toque suave das minhas mãos.
As cortinas dançam com a brisa e a claridade esgueira-se pelas frestas da persiana. Num jogo de sombras, à meia-luz, adivinho-te assim os gestos e trejeitos, os sorrisos e esgares. Fugidio o olhar, nega-se a coincidir com o meu. Quando finalmente me olhas, perco-me no escuro infinito desses olhos enigmáticos. Inebriada pelo teu fôlego vou completando este esboço fictício, numa estética só nossa. Neste jogo que nunca termina, que eu conheço bem demais mas que teimo a reviver vezes sem conta. O quadro inacabado a que regressarei todos os dias, apenas para acrescentar um ponto, uma ruga, o que seja... Apenas para te rever e me lembrar de ti.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

Mente Buliçosa

Buliçosa a mente que teima nisto do pensar. Pensar porque sim no que não. Pensar "porque não"? Diz que sim. Pensa que não pensa nisso do não pensar, da apatia do estar e ser, sem pôr o mais que não deve, mas pensa e inveja e sente falta. Tomara ela não pensar. Pensa que pensa que pode e que deve, a verdade é que não deve. Está nisto do pôr sempre mais e ser sempre mais. Despeja demais, verdade seja dita. Não há quem estanque pensamentos antes de lhe saírem pela boca. Pensa porque pensa demais, porque é tudo tão demais? Não tem meio termo, pensa porque deve, diz o que não deve. Pensa e repensa, nunca pára, incansável, sempre a rodar. Pensa mudar, porém mudar dá que pensar. Tem menos dela do que pensa, é tudo dos outros, ela só recolheu o que lhe deixaram. Pensa nisto. Pensa que devia deixar-se disto, devia agir. "Cala-te mente buliçosa, está na hora do não pensar", pensa ela outra vez. Quando se deita lá fica ela a pensar no que podia e não podia vir a acontecer, no dia em que o pensar passa a fazer . Finalmente adormeceu e pensou que o bulício da mente se iria silenciar, intensifica-se o frenesim. Apaga-se-lhe a razão, acende-se-lhe o espírito. Vibra em tons indistintos, labaredas de ideias e pensa pensamentos que nem conteúdo têm. Indistintas formas com conceitos claros, que lhe toldam o pensar. De manhã, quando acordar pensará sobre isto, antes de se voltar a lembrar que se queria esquecer de como pensar.